A construção de buyer personas vai muito além de fazer um brainstorming imaginando quem possa ser o cliente de uma empresa. Consiste em entrevistar clientes e potenciais clientes para traçar a jornada de compra padrão e, assim, compreender o real comportamento de consumo.
Em um post recente, conversamos com André Iunes, da agência iunes.me, sobre um case de construção de buyer personas para uma associação médica. Desta vez, a conversa com o mesmo André gira em torno da construção de personas de uma forma mais genérica, sem se ater a um caso específico.
O bate-papo pode ser ouvido na edição #147 do Podcast-se, disponível também no Spotify. Leia a transcrição a seguir.
Cassio Politi: Muitas empresas fazem levantamento de hipóteses e apressadamente já colocam num papel uma fotinho e uma descrição superficial. E já saem chamando aquilo de buyer persona. Na sua opinião, o mercado tem preguiça de fazer um trabalho denso e profundo de buyer persona de verdade?
André Iunes: Esse formato de colocar uma foto e pesquisar por alto algumas impressões seria a fórmula do que não fazer. Isso é se enganar com relação à persona. Na minha visão, buyer persona nem é uma etapa no trabalho. É um processo obrigatório, um divisor de águas. Se você não fizer um trabalho bem feito — e isso requer realmente conversar com o público —, você não tem persona. Obviamente, você pode ter uma ideia se pegar alguns elementos nas redes sociais ou dados de Analytics. Mas para realmente entender o que se passa na mente dele, você precisa entrevistar. Se você trabalhar em cima de achismo, vai ter uma comunicação que não vai dar o ponto certo. Eu não posso pegar hipóteses levantadas e colocar no relatório a minha visão. Eu tenho de ser isento, entrevistar as pessoas e, a partir das visões delas, trazer um panorama real para o cliente. E dizer: “seu público-alvo é esse, o comportamento dele é assim, o desejo dele é tal, é isso que ele quer de você, é isso o que ele não gosta de você”. A partir daí, é fazer uma comunicação que vai acertar.
O brainstorming, que você faz antes de partir para as entrevistas, traz hipóteses que existem para ser testadas. Eu trabalhei com uma pessoa em uma multinacional, e ela tinha um método muito interessante de pesquisa. Ela dizia que a hipótese existe para ser derrubada. Então, no caso do exemplo que você trouxe no podcast anterior, a gente faria o seguinte: “o médico do trabalho trabalha muitas horas por dia”. Esta seria a hipótese, certo? Portanto, vamos de todas as formas tentar derrubar essa hipótese. Vamos usar as entrevistas para provar que isso está errado, que o médico não trabalha muito, não. Uma vez que você não consegue provar que isso está errado, é porque está certo. Isso apenas reforça que, depois do brainstorming, o seu trabalho de personas não está pronto. Ele só está começando.
Quem tem o olhar do leigo é rei. Se você vai atender um cliente muito específico, de uma área que você não domina, você fica refém da visão do cliente. Imagine o seguinte: você vai atender uma empresa sem saber se ela é B2B ou B2C. Você vai ficar refém da visão do cliente. Mas aí você diz: “vamos fazer uma pesquisa e conversar com o seu público-alvo para entendê-lo”. Às vezes, a empresa pensou durante 30 anos que seu cliente gosta de uma coisa, mas na verdade ele gosta de outra. Você precisa de uma persona bem feita, com entrevistas bem conduzidas e sem interferência das respostas. Tem gente que gosta de roteirizar. Se você não roteirizar e só bater um papo, cercando a entrevista dentro do cenário que você quer entender, é melhor. É bom mencionar isso porque muitas pessoas colocam hobbies da persona, e começam a ver muitos elementos de fora que, no dia-a-dia prático da comunicação, não vão ajudar muito. É muito importante saber entrevistar e saber pegar os fios condutores. Numa conversa, o cara solta um insight importante para a empresa e para a minha comunicação. Daí, você começa a explorar um pouco aquele ponto. “Sobre o que você falou agora, o que é isso? Por que você sente isso? Qual a sua dificuldade nisso?”. A partir de então, nas outras entrevistas, você pode começar a buscar um pouco mais sobre um padrão de comportamento a partir da repetição das respostas.
Uma coisa que acontece comigo é que as primeiras entrevistas são sempre longas e as últimas acabam sendo mais curtas — e vão mais no detalhe. Isso acontece com você também? Ou seja, nas primeiras você vai deixando a pessoa falar para ouvir a história dela. Em certo ponto, as histórias vão ficando repetitivas. Lá pela quinta ou sexta entrevista, você pensa: “eu já sei o que esse cara vai dizer”. Aí, então, você começa a explorar dúvidas pontuais. É isso que você faz também?
Sim, com certeza. Nem é um procedimento, é um fluxo natural do próprio trabalho de persona. É uma pedra bruta que você vai lapidando. No seu primeiro entrevistado, você não sabe direito se o que ele diz é uma opinião isolada ou se aquilo faz parte do comportamento daquele grupo. A partir do momento em que você começa a entrevistar, passa a ter mais certeza. Entrevistar cinco pessoas ajuda, mas eu vou começar a realmente ter uma noção de padrão de comportamento quando eu entrevisto mais de 10 ou 15 pessoas. No case que a gente abordou no podcast passado, da associação médica, eu entrevistei 27 médicos do Brasil inteiro. Foram 9 horas de conversas.
A minha média é essa também, André — uns 25 ou 30 entrevistados. Embora o livro da Adele Revella fale em 8 a 12, eu sou meio exagerado igual a você.
Acho que nós, latinos, somos mais exagerados. Eu gosto de entrevistar um número maior de pessoas para eu ter uma visão. Falo isso porque a persona é o sumo, o substrato principal do que você entrega para o cliente. Mas tem o outro material que sobra desse trabalho, que são as entrevistas que você tem. Se você der um direcionamento estratégico para esse conteúdo, fazendo um relatório muito bem feito, identificando pontos de melhoria com base nas respostas, você consegue fazer propostas estratégicas. Já tive cliente que disse: “chorei quando você entregou o relatório. Não acredito que o público tem essa visão da minha empresa”. O que está lá não são palavras minhas, são considerações do público.
Vou dar uma dica que certamente vai servir para o nosso público. Todo o mundo faz o relatório de persona naquele padrão tradicional. Eu, inclusive. Mas experimentei há pouco tempo outro formato, que uso só quando o cliente aceita. Em vez de abas com nomes, fotinhos e tal, faço uma entrevista pingue-pongue com a persona. Não é o entrevistado que responde, é a persona. Fica um arquivo vivo, que você pode editar o tempo todo, especialmente quando você descobre uma coisa nova. Fica esta dica.
Você falou de uma coisa que é bem legal: o relatório de persona. Eu acho que persona é uma coisa tão aprofundada que ela não deve ficar em uma aba ou relatório. Quanto mais humanizado for esse documento, mais impacto ele tem na empresa. Eu sempre coloco algumas aspas no relatório, especialmente quando aponto um problema. Coloco aspas das pessoas que eu entrevistei. Quando meu cliente lê na íntegra o que a pessoa falou sobre um determinado ponto a respeito da forma como a empresa atua, além de humanizar o processo, o impacto é muito maior. Gostei do formato de entrevista que você mencionou, mas gostei mais ainda da expressão “relatório de personas”. A gente tem de entregar um material muito elaborado para o cliente. Esse deveria ser o documento mais importante de qualquer empresa além de missão, visão e valores.
Dica final… quando gravar a entrevista, põe as aspas em áudio. Funciona muito. Faz assim: extrai um pedacinho, mesmo que a gravação não esteja com o som muito limpo. O gestor ouvir o tom de voz da pessoa que disse aquilo, convence muito.
Sim, o sentimento é muito importante.