Para seu doutorado, o professor Aldo Schmitz realizou uma pesquisa com quase mil jornalistas e mostrou a relação deles com content marketing.
Um dos recortes do estudo trata da migração desses profissionais da redação ou da assessoria de imprensa para o content marketing. Todos esses perfis têm relação com a produção de conteúdo, é verdade, mas encontram um mundo novo quando trocam de lado. A pesquisa, aliás, é um dos materiais que incentivaram Aldo a lançar uma pós-graduação em Marketing Digital pelo Iscom, que conta com professores como Jorge Duarte e Nino Carvalho.
Falamos da pesquisa (que você pode baixar aqui) na edição #152 do Podcast-se, disponível abaixo e também no Spotify. E você lê a seguir a transcrição do bate-papo.
Cassio Politi: O que exatamente é a pesquisa, Aldo?
Aldo Schmitz: Terminei o meu doutorado em 2018. Fiz então essa pesquisa sobre a migração dos jornalistas para o marketing de conteúdo. Isso foi dentro do trabalho do laboratório que a gente tem de pesquisa sobre a profissão do jornalista. Nesse contexto, já fizemos também estudos sobre o perfil do jornalista brasileiro, além de uma pesquisa internacional que chama “Journalists’ Roles Perform”, feita em 19 países. Então nesta pesquisa o objetivo foi levantar a carreira dos jornalistas fora da mídia tradicional.
Esse trabalho foi feito com o lastro da Universidade Federal de Santa Catarina. Teve uma amostra bem representativa. Um dos dados que me chamaram atenção é o fato de que, grosso modo, metade do jornalista que trabalha com content marketing vem da comunicação corporativa e metade vem de veículos. Resumindo é isso, certo?
Exatamente. É um processo de migração até natural do pessoal que trabalha na assessoria de imprensa. Basicamente, 40% vêm desse universo. O pessoal que vem de outras mídias, como TV, rádio e principalmente mídia impressa, onde não há mais emprego, está migrando para essa área. Surge a possibilidade de uma nova carreira, inclusive no marketing. O jornalista das antigas sempre tinha uma certa reserva de estar vinculado a vendas e marketing. A nova geração e também um grupo de pessoas na faixa dos 30 a 50 muitas vezes não buscam uma melhor remuneração. Eles buscam uma nova competência dentro da carreira.
Ou seja, ele vai para o content marketing não para ganhar mais. De certa maneira, content marketing é o que sobrou para ele?
Exatamente. Poucos jornalistas tiveram o content marketing como primeiro emprego. Uma grande parte começa na assessoria de imprensa. Depois, desenvolve algumas habilidades vinculadas ao marketing de conteúdo, como newsletter, blog e redes sociais. Daí passa para ferramentas do inbound marketing. O marketing de conteúdo busca um profissional experiente, com o domínio de redação, ferramentas e canais de comunicação. No início, a gente achava que relações públicas e publicidade eram as formações que iam ser agregadas ao marketing de conteúdo. Mas o jornalista acabou tomando essa dianteira pela capacidade de criação de conteúdo de relevância. E também pela própria facilidade de expressão, usando não aquela linguagem agressiva da propaganda, mas uma forma mais amena de chegar ao público.
O que você falou é muito pertinente. Com frequência, tenho de explicar para empresas com quem trabalho o que é o content marketing. E a explicação mais fácil é que as empresas podem se tornar empresas de mídia, produzindo conteúdo, formando público fiel. Só a partir daí é que elas usam ferramentas e métodos como o próprio inbound marketing para converter o público em clientes. O combustível disso tudo, como você disse, é o bom conteúdo. O que significa, em última análise, que você precisa de bons profissionais, que sejam capazes de produzir conteúdo de qualidade dentro das empresas. Aí vem a minha pergunta para você. O que falta para o jornalista descobrir as empresas e vice-versa — para as empresas descobrirem esse bom jornalista?
A pesquisa identificou que o jornalista é contratado para fazer conteúdos para blog e newsletter. Só que eles acabam sendo levados para desenvolver outras ferramentas que não gostam de fazer. Logo estão trabalhando com SEO, métricas, mensuração de resultado e outras coisas. A própria pesquisa aponta isso.
Durante muitos anos, você ministrou curso para assessor de imprensa, inclusive aqui, no Comunique-se, além da ABRACOM e de outras instituições. Você conhece a outra metade da qual a gente está falando aqui, que é o assessor de imprensa. Fale um pouco da relação dele com o content marketing.
Eu tenho discutido bastante isso. O assessor de imprensa está virando uma commodity. O assessor que é simplesmente operacional não tem mais espaço dentro desse mundo digital. Ele tem de ser um gestor das relações com a mídia e um gestor de relacionamento com o assessorado. Essa palavra “assessoria de imprensa” está um pouco desgastada. O conceito evoluiu para uma gestão da comunicação. Não se produz só release. Existe uma série de ferramentas. O próprio Comunique-se tem disparadores. O cara tem de ser craque na gestão de relacionamentos, em filtros, ações nas redes sociais e ferramentas complementares. As mídias tradicionais, que são o mainstream, estão cada vez tendo menos espaço — e espaços cada vez mais disputados. Obviamente, esses espaços têm uma certa credibilidade que muitas vezes nas mídias digitais ficam um pouco prejudicados. De qualquer forma, o assessor hoje é uma figura “dinossáurica” no sentido operacional. Ele deveria pensar sempre no sentido da gestão de relações com os vários públicos. Essa é a minha visão de um novo assessor de imprensa. No início, “assessor” era escrito com “c”, de “acessório”. Hoje, ele tem de assumir um papel de gestor.