Isabel Raupp Pimentel acumula a experiência de repórter de emissoras de peso, como Rede Globo e Rádio Bandeirantes. Há alguns anos, tem se dedicado à comunicação corporativa. Hoje, ocupa o cargo de assessora-chefe da Anvisa, onde sua missão é falar para um público tão vasto e heterogêneo quanto a própria população brasileira.
Na edição #134 do Podcast-se, que você ouve abaixo ou via Spotify, conversei com Isabel sobre aquele velho e duro desafio de comunicação: traduzir a linguagem técnica de instituições gigantescas para uma linguagem acessível para as pessoas.
A seguir, o que você lê é um resumão do bate-papo.
Cassio Politi: Trazer a comunicação do mundo mais técnico para a comunicação com as pessoas comuns é sempre um desafio. Sei que a pergunta é ampla, mas como é isso no seu dia a dia, Isabel?
Isabel Raupp Pimentel: Olha, é amplo como a pergunta que você fez. Quem é técnico de saúde e trabalha nesse setor acaba criando seu próprio mundinho e, com isso, vem a sua própria linguagem. A gente hoje tem quase que um outro português quando começa a falar dentro de hospitais, de agências, de secretarias estaduais. São siglas e termos técnicos. Eu trabalhei com comunicação muitos anos. Cheguei de fora desse mundo e disse: “Bom… para quem está precisando de um determinado serviço de saúde — ou quem precisa de informação —, essa linguagem não quer dizer nada.”
Aí começam os desafios. Antes de pensar na pessoa que vai chegar ao hospital, eu tenho que conversar com o profissional de saúde e dizer “olha, cara, essa sua linguagem técnica tem de mudar”. Só depois de trabalhar com esse profissional e mostrar a ele que essa linguagem não está atingindo o público, é que eu vou conseguir me comunicar.
Cassio Politi: Quando os profissionais que falam em nome da Anvisa se comunicam de maneira excessivamente técnica, eles acabam transmitindo uma imagem negativa da própria instituição. É correto afirmar isso ou estou falando bobagem?
Isabel Raupp Pimentel: Não, não está, não. É que por muito tempo a gente lidou com uma comunicação em que talvez fosse positivo falar de uma forma difícil, técnica, até pra mostrar a importância da instituição. Hoje, com a comunicação direta e com as mídias sociais, você tende a ter uma comunicação mais fácil, uma comunicação que todos entendam.
Por exemplo, aqui dentro, há um trabalho de dia a dia, que consiste em chegar para os técnicos e dizer “olha, a gente está interditando um lote de vacinas e precisa explicar isso para quem toma essa vacina”. Não dá para esperar que o jornalista venha aqui porque ele provavelmente vai publicar essa informação já criticando a Anvisa. Precisamos usar a comunicação direta e explicar por que o medicamento está interditado.
A gente trabalha a comunicação por qualquer mídia pensando no público. Sempre me pergunto: “estou querendo falar com quem?”. Se eu continuar com uma linguagem difícil, e aquela pessoa que está a caminho da farmácia não tiver uma informação clara nas nossas mídias sociais, eu não estarei comunicando. Eu ficarei na dependência de um jornalista, que também precisa entender o meu processo de trabalho, e que talvez não consiga — ou não vá dar — a informação.
Cassio Politi: Você falou de o jornalista entender o que a Anvisa fala. Só que o jornalista é cada vez menos especializado em saúde. Você diferencia os jornalistas? Do tipo: tal repórter é um cara que estudou e é especializado em saúde. Ok, talvez ele represente 1% do todo, mas com ele eu vou falar de uma forma. Para os outros 99%, o material precisa ser mais mastigado. Isso acontece?
Isabel Raupp Pimentel: Ajuda muito a minha experiência como repórter. E é assim mesmo. É mais ou menos o que você está dizendo. Um por cento é aquele repórter que acompanha quase que diariamente as nossas ações aqui, na Anvisa, e que já entende um pouco de como é o processo de trabalho. Agora a maioria não vai ter tempo de exclusivamente trabalhar com a gente.
Então, logo que cheguei, me preocupei com isso pensando em atingir todos os públicos que são importantes para mim. Reorganizei a assessoria, colocando como um dos itens da coordenação de imprensa justamente a melhoria do relacionamento com o jornalista. Sempre que nós tivermos assuntos complicados — o que acontece praticamente todo dia aqui —, antes de dar entrevista ou liberar a informação, a gente chama os jornalistas para um café ou briefing.
Normalmente, a gente abre as portas da Anvisa, mostra o processo de trabalho e dá informação privilegiada a eles. Então, a gente combina um embargo e coloca o técnico junto com eles. É meio que uma mesa redonda sobre aquele assunto. A gente tem tido resultados muito positivos. O objetivo não é direcionar a matéria do colega, não. A gente quer que ele escreva com propriedade porque é muito difícil acompanhar uma reunião da diretoria colegiada aqui.
Nós sabemos que o dia a dia de um repórter é muito corrido. Numa área técnica como a vigilância sanitária, a gente tem mais é que facilitar a vida do colega. Eu ganho com isso. Eu ganho a informação correta e ganho também aquela matéria explicando para que, afinal, a Anvisa existe.
Cassio Politi: Claro, é prestar esse serviço ao jornalista, especialmente agora, quando as redações estão mais enxutas e o jornalista anda cobrindo de tudo. Ele sai da Anvisa e vai cobrir talvez um ministério de uma área completamente diferente da saúde no dia seguinte. Ou, às vezes, no mesmo dia.
Isabel Raupp Pimentel: Exatamente.
Cassio Politi: Você disse que abre as portas da Anvisa para o jornalista e o coloca em contato com o técnico. Por isso mesmo, imagino que você tenha de preparar o técnico para essa relação. Como isso é feito?
Isabel Raupp Pimentel: Além da coordenação de imprensa, a gente criou a coordenação de comunicação interna. Um colega, que é jornalista, faz reunião de pauta com vários técnicos. A Anvisa tem responsabilidade desde a qualidade da água que você toma de manhã até o remedinho contra a pressão alta antes de dormir. Então, veja quantos assuntos interessantes existem, quantas pautas maravilhosas saem daqui e são produzidas todos os dias.
O grande problema da Anvisa era que, antes, a gente não pensava nessas pautas. A gente não abria as portas e dizia “olha, gente, nós estamos produzindo coisa boa para a população”.
Como a gente sabe que está produzindo tudo isso se eu, como comunicação, não estou me relacionando bem com a minha instituição? Foi por isso que criei uma coordenação de comunicação interna, que faz reuniões de pautas com os técnicos. A ideia é pegar os projetos que eles estão tocando — ou as decisões que vão sair — e tentar antecipar isso.
Por exemplo, podem surgir pautas do tipo: “tal lote de remédio contra pressão vai ser retirado de circulação porque está com problemas na sua composição”. Daí, então, a nossa área técnica diz: “olha, nós estamos preparando todos os pareceres, isso deve ser publicado no edital no dia tal”.
Ótimo, então antecipamos essa conversa com a área técnica e extraímos todo o problema já dessa conversa. E fazemos o media training. Porque sabemos que esse assunto específico é suficiente pra colocar a Anvisa em todos os jornais, TVs e rádios. É um assunto que vai interessar aos jornalistas. E precisamos nos antecipar.
Cassio Politi: Eu gostaria que você descrevesse como é a estrutura da comunicação hoje da Anvisa.
Isabel Raupp Pimentel: Bom, quando eu entrei, há praticamente seis meses, a gente tinha uma comunicação muito vertical, ligada à diretoria. E muito preocupada com a questão da diretoria mesmo, falando da ação dos diretores. Agora nós temos uma comunicação bem horizontal.
Trouxemos a área de eventos pra dentro da comunicação porque antes a Anvisa tinha eventos importantes todos os dias.
Há também a coordenação de imprensa, que não só atende de forma reativa, mas também chama os jornalistas para mostrar o que estamos fazendo, como expliquei.
Há a área de comunicação interna, que agora está em linha direta com os meus técnicos, com reunião de pautas e ajudando na preparação com a imprensa.
E há uma coordenação importantíssima, que é a de conteúdo, produz tudo: desde material gráfico, que a gente ainda usa porque ainda tem gente no Brasil que não tem acesso a internet, até filmetes para as redes sociais. Nessa coordenação, é feito também monitoramento das mídias tradicionais e do portal. E nela está o INTRAVISA, que é uma ferramenta importantíssima de comunicação interna.
Há uma pessoa encarregada de se conectar o tempo todo com essas coordenações. É uma espécie de chefe de redação, que passa o tempo inteiro conversando com todas as coordenações. Anteriormente, um assunto pipocava na imprensa e o pessoal que produz conteúdo para as mídias sociais, por exemplo, não sabia direito o que estava acontecendo. Hoje não mais. Está tudo integrado. A gente até voltou a usar na redação o quadro negro, a giz mesmo, onde fica a previsão de pautas e a previsão de eventos do dia seguinte.
O ponto essencial é a integração. Esta é a palavra que define hoje o nosso trabalho. A gente não faz só assessoria de imprensa. A gente está tentando mesmo mudar a cultura da Anvisa e atuar em todas as áreas. A gente conseguiu, inclusive, uma cadeira na parte de planejamento estratégico da Agência, e também cadeira nas reuniões da gerência de pessoal, que é o famoso RH. Ou seja, a comunicação está em todo lado.
Cassio Politi: O que me impressiona sempre que eu converso com alguém de uma instituição do porte da Anvisa, é a amplidão do trabalho. Porque vocês não têm público-alvo segmentado, definido. Então, é outro mundo, muito diferente do que vivenciam as empresas como aquelas com as quais eu costumo trabalhar. Vivo o inverso. A gente fica ali cavoucando até chegar àquele público bem específico, que é um segmento — às vezes, um nicho. A Anvisa é um outro mundo. Isso me fascina porque quem é o público da Anvisa? É todo o mundo.
Isabel Raupp Pimentel: Sim, é todo o mundo.
Cassio Politi: E isso é fascinante porque daí é que vem a amplidão da estrutura imensa que você acabou de descrever, não é?
Isabel Raupp Pimentel: Sim, é fascinante porque volta à sua primeira pergunta: a gente está falando de saúde, não é? E como falar de saúde para tantos públicos? A gente conversa com todos os níveis de governo: federal, estadual e municipal. A gente conversa com indústria, comércio, produtos de saúde, consumidor, prestadores de serviço. O importante é, na hora que vai fazer a sua peça de diálogo, você fazer essa pergunta “nós estamos falando para quem?” Você tem de respeitar a linguagem e, sobretudo, respeitar o objetivo daquela comunicação.