O relacionamento entre assessores de imprensa e jornalistas não é mais tão próximo quanto já foi um dia. Os diálogos estão bem mais restritos a canais digitais, o que gera um certo distanciamento entre as duas pontas.
Ex-sócia da agência Voice e hoje à frente do Portal do Conteúdo, Beth Guaraldo acumula muitos anos de experiência em comunicação corporativa. Tem intimidade com a relação com clientes e com jornalistas. Nesta conversa, ela fala dessa nova e complicada forma de relação entre assessorias de imprensa e redações.Você ouve a conversa na edição #138 do Podcast-se, disponível também no Spotify — ou lê a transcrição na íntegra abaixo.
Cassio Politi: Como se cria o relacionamento com o jornalista atualmente? É preciso considerar que há tão poucos jornalistas na redação hoje em comparação com 15 anos atrás. Ao mesmo tempo, há tantos assessores assediando o jornalista. Como se resolve essa equação?
Beth Guaraldo: Realmente, não é fácil. O jornalista recebe 400, 500 emails por dia. É impossível ler tudo isso. Como você faz? Primeiro você tem de ter uma boa pauta, com um assunto de interesse do jornalista. Grande parte das reclamações deles é que chegam informações irrelevantes. Precisa, ainda, buscar caminhos e abordagens alternativos. O jornalista dificilmente vai ver o email. Telefone, ele também não está atendendo porque é impraticável. Às vezes, o jornalista até disponibiliza o celular ou o WhatsApp e abre um canal de relacionamento. Mas muito mais gente usa as redes sociais e faz um contato via Linkedin ou Facebook.
Cassio Politi: Com tanto recurso de comunicação à disposição, o pessoal ficou um pouco mais preguiçoso, mais acomodado? Porque você, assim como eu, é de uma geração que, para criar o relacionamento, não tinha jeito, você tinha duas ferramentas: o telefone e o olho no olho. Os muitos recursos de hoje deixam as pessoas mais acomodadas?
Beth Guaraldo: É o que está acontecendo. Você tem razão, eu sou dessa geração de encontrar o jornalista, da época em que a gente fazia visita às redações. Hoje, eu acho pouco provável que uma assessoria consiga fazer esse tipo de coisa porque o jornalista não tem tempo. Ele não pode parar o que está fazendo para atender uma assessoria. Talvez você tenha razão, talvez o email seja aquela coisa: “eu fiz o meu trabalho, mandei o email e vamos ver o que acontece”. Se você tem uma boa pauta e sabe fazer a comunicação certa por email, o jornalista responde. Mas ele vai ter de achar você num mar de emails, e nem sempre você vai dar essa sorte.
Cassio Politi: Eu estava vendo uma entrevista do jornalista Léo Dias no programa Pânico. Eu só ouvia falar do Léo Dias e nunca o tinha ouvido. Fiquei com uma boa impressão dele. Por que estou contando isso? Porque ele falou uma coisa que me chamou muito a atenção: “Hoje está muito fácil você furar os outros porque todo o mundo na comunicação é preguiçoso. E tem mais: quando você dá o furo, todo o mundo vai atrás e te segue. Porque você deu a primeira informação, ninguém mais vai tentar te contestar. Então, você diz que tal artista está namorando fulano, ninguém vai tentar te desmentir, tentar rechecar aquela informação para dizer o contrário. Vai todo o mundo na sua”. Isso foi o que ele disse. Você acha que, de certa forma, acontece isso em assessoria também? No sentido de que vai todo o mundo acompanhando o que sai na mídia, no release, no mundo digital, e pronto. Ou seja, esse lado da preguiça é generalizado, inclusive entre assessores?
Beth Guaraldo: Eu não acredito. De verdade, não acredito. Tem ótimas assessorias, excelentes profissionais. Existe gente preguiçosa, ponto. Mas eu não acredito que isso seja uma prática recorrente.
Cassio Politi: Por quê? O assessor é mais cobrado?
Beth Guaraldo: É, porque ele tem um cliente. O cliente precisa, o cliente quer uma matéria aqui, outra ali. Obviamente, nem sempre é possível, mas ele tem um trabalho a fazer.
Cassio Politi: O cliente está mais no calcanhar dele então?
Beth Guaraldo: Depende do cliente, mas, sim, esse é o trabalho. Você tem de levar a informação do seu cliente para a imprensa, para o veículo A, B, C ou D — não importa. Então, a preguiça é uma coisa que não funciona muito. Mas existem assessores que podem ir por esse caminho. Não acredito que seja uma coisa geral.
Cassio Politi: Voltando ao relacionamento com o jornalista, que é o foco central do que a gente está tratando aqui, esta é uma vontade natural do assessor. Ele tem muito o que ganhar com isso. Mas, do lado do jornalista, há duas questões. Primeiro: ele tem vontade de ter essa relação? Há um ganho por parte do jornalista? Segundo: o jornalista tem tempo para se relacionar com o assessor?
Beth Guaraldo: Eu acho que sim, jornalista vive de fontes. Se ele não tiver fonte, ele não faz o trabalho dele. E o assessor tem exatamente esse papel de facilitar para o jornalista.
Cassio Politi: Mas o assessor não é fonte, é?
Beth Guaraldo: Não, ele não é fonte, mas o papel dele é facilitar o acesso do jornalista às fontes. Isso é primordial. Para o jornalista, é importante esse contato não só com as fontes, mas com o assessor também. Está difícil o tempo dele? Está bem difícil, mas ele precisa disso. Senão, o trabalho não sai. Se ele não conseguir falar com o assessor, a fonte fica de fora. Então, é bom para todo o mundo. Eu acho que o jornalista também se esforça para manter esse relacionamento.
Cassio Politi: Você acha que o assessor que se esforça para ter esse relacionamento acaba conseguindo?
Beth Guaraldo: Sim, desde que você seja um profissional sério. Daí consegue. Demora? Sim, pode demorar. Mas demanda trabalho, demanda profissionalismo.
Cassio Politi: De qualquer forma, é difícil você estabelecer o relacionamento. Então, é a persistência do assessor que é determinante nisso. Ele vai ter que criar de certa forma um hábito, um modus operandi no trabalho dele nesse sentido.
Beth Guaraldo: Exatamente. Ele tem de descobrir formas de chegar ao jornalista sem chatice, sem aborrecer. Porque tem muito jornalista reclamando de assessor que liga em horário inadequado, que manda informação que não tem nada a ver com a editoria. Sendo profissional, todo o mundo ganha: tanto o jornalista quanto o cliente.