Entre as muitas atribuições do assessor de comunicação, uma diz respeito a identificar possíveis porta-vozes. Normalmente, a escolha é feita a partir não apenas do cargo, mas da desenvoltura dos gestores na comunicação interpessoal. Mas como fazer essa difícil escolha?
Na edição #136 do Podcast-se, conversei com Neuza Serra, professora dos cursos do Comunique-se em parceria com a Tracto. Ela tem dado aulas sobre assessoria de imprensa desde 2003 não apenas nestes cursos, mas também na Cásper Líbero, no Senac e em outras importantes instituições.
Você pode ouvir a conversa abaixo, na edição #136 do Podcast-se, disponível também via Spotify.
Leia abaixo um resumo do conteúdo do bate-papo no Podcast-se.
Cassio Politi: Indo direto ao ponto, qual é o perfil ideal do porta-voz, especialmente naquele momento complicado, que é a crise?
Neuza Serra: A crise normalmente é uma situação de sensibilidade muito grande, mas a primeira regra do porta-voz de crise é que ele esteja muito bem preparado para a situação. Senão, um trabalho feito justamente para reduzir o impacto da crise pode se perder inteiramente.
O porta-voz precisa ter uma segurança grande e muita clareza no que ele vai dizer. Se ele não estiver seguro e convicto, aquilo fisicamente se expressa. O rosto já não fica de uma forma confortável. A gente vê inúmeros casos em que acontece isso.
A linguagem deve ser bem pensada porque tudo fica no fio da navalha na crise. Ao mesmo tempo em que deve estar seguro, ele não pode ser arrogante nem parecer que é dono da verdade absoluta.
Durante uma crise, a regra principal é trazer a informação verdadeira. Você não pode mentir porque isso gera um risco absurdo. Ao dizer a verdade, o porta-voz fica naturalmente sereno. Se ele titubear ou gaguejar um pouco, ou mesmo repensar o que disse, quem está ouvindo começa a desconfiar.
Ele é treinado. É claro que estamos falando de uma preparação anterior à crise. Ou seja, de um trabalho de prevenção. Ele é preparado para tudo isso e está pronto para que, se a crise acontecer, está sereno com seu discurso. Ele não tira coelhos da cartola.
No mais, o porta-voz tem de demonstrar maturidade quando ele está se expressando. Isso é interessante porque a gente tem uma preocupação de que não tenha a aparência muito jovem. Precisa ser alguém que traga senioridade na hora da crise. Porque quem está do outro lado tem de sentir essa segurança.
Outra coisa importante é evitar que informações volumosas fiquem a cargo de uma só pessoa. Então, dividimos os porta-vozes durante a crise. Você tem um porta-voz institucional, que é superimportante. Ele tem a palavra da empresa. Daí, a gente divide o restante da mensagem entre porta-vozes técnicos. Por exemplo, um presidente de uma empresa não tem que ficar explicando questões técnicas. Ele tem de trazer a palavra institucional.
Cassio Politi: Neuza, estou pensando aqui que você sempre avalia quem é o porta-voz nas interações que você faz com as pessoas da direção da empresa, como reuniões e conversas internas. Imagino que você faça as suas análises e diga: “esse cara aqui deve ser o cara certo para falar com a imprensa”. Mas você se engana nessa escolha? Quero dizer: às vezes a pessoa escolhida como porta-voz vai superbem na comunicação interpessoal, vai bem até no media training, mas quando é pra valer, na crise, ela não vai tão bem? Isso acontece?
Neuza Serra: Olha, por sorte, eu nunca tive uma situação dessa, mas pode acontecer, sim. Alguns vão para os microfones sem estar preparados, e esse é um ponto.
Alguns estão preparados, mas não têm o perfil para ser porta-voz, e esse é outro ponto importante. Não é porque ele é o presidente da empresa que deve necessariamente ser o porta-voz. Às vezes, ele não tem o perfil e eu, então, preparo outra pessoa. Porque, para ir para a situação de crise, ele precisa estar muito bem preparado. A gente precisa ter certeza absoluta de que ele vai bem.
O fato de você fazer um media training, de preparar toda a estrutura do gerenciamento de crise, serve justamente para que isso não aconteça. O que eu tenho visto aqui ou acolá são pessoas que não foram preparadas.
A possibilidade de acontecer um grande problema é bem pequena porque o media training faz simulações e preparações muito rígidas para que justamente não aconteça essa questão de você ter uma péssima surpresa.