A crise relacionada ao Carrefour estourou quando um cachorro morreu depois de ter sido envenenado e espancadopor um funcionário de uma loja em Osasco. Estima-se que mais de 60 milhões de pessoas tenham sido impactadas pelas postagens nas redes sociais. Os protestos pedem, entre outras coisas, punição e boicote à rede de supermercados.
Do ponto de vista da comunicação, o que nós, profissionais da área, podemos aprender com o caso? Ao que parece, o Carrefour usou o modelo de gestão de crise de mídias tradicionais para um cenário novo — de mídias digitais.
Mas qual a diferença?
Bem, poucos anos atrás, quando a comunicação era essencialmente concentrada nos veículos de comunicação, a maioria das crises seguia um ciclo previsível, que começava e terminava nos veículos de comunicação. As matérias negativas atingiam um pico para logo depois ser esquecidas.
Muitas vezes, a crise tinha um ponto final na noite de domingo. O Fantástico fazia uma ampla cobertura sobre o caso e a entrevista com um executivo da empresa afetada marcava o posicionamento.
Não que as empresas conseguissem sempre reverter o arranhão na imagem. Elas apenas sabiam que na semana seguinte alguma outra notícia relevante tomaria seu lugar nas manchetes. Era o fim da tormenta antecedendo a calmaria.
Não funciona mais assim. A descentralização da comunicação deu às multidões o controle da agenda. A crise perdura enquanto a indignação estiver viva no Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, WhatsApp.
É claro que ainda hoje existe um ciclo de vida para as crises, mas ele é muito mais longo e completamente incontrolável. Quanto tempo vai durar a tormenta? Ninguém sabe.
O que, então, deveria ter feito o Carrefour. Na opinião de Maurício Júnior, vice-presidente executivo da agência Santafé Ideias e experiente gestor de crises, faltou detectar o foco do incêndio.
E esta análise nos leva a uma questão: toda empresa está hoje suscetível a crises? Sim, está. Na edição 73 do Podcast-se, que você ouve abaixo, discuti com Maurício Júnior justamente a suscetibilidade das empresas.
Na era offline, o risco era maior ou menor dependendo da atividade da empresa. Por exemplo, o potencial de crise para uma loja de roupas era menor do que para uma companhia aérea. Hoje, qualquer um está vulnerável. Basta, por exemplo, um cliente filmar um ato racista para a crise explodir.
Maurício recomenda, então, que as empresas passem por uma auditoria de vulnerabilidade. O objetivo é entender as diversas interfaces com os públicos, para poder antever os possíveis cenários. E, principalmente, aprender com os erros dos outros olhando para o passado e buscando entender os tipos de mais frequentes nos mais diversos mercados.
O problema é que casos como o do Carrefour são imprevisíveis até mesmo para essa metodologia. Porque a crise tem pouco a ver com a operação. Não se trata de mau atendimento ao cliente ou de problemas relacionados aos produtos. Um exercício de lógica simples nos leva à conclusão de que maltratar animais, definitivamente, não faz parte da cultura do Carrefour.
Quem cometeu a atrocidade foi um segurança terceirizado, o que significa que qualquer empresa que contrate esse tipo de serviço corre o mesmo risco: shoppings, lojas, casas noturnas, transportadoras e tantos outros negócios.
Como não há bola de cristal capaz de antever situações inimagináveis, o que cabe à comunicação é agir rapidamente quando o problema acontece. E é por isso que o monitoramento defendido por Maurício é tão importante.
A empresa não poderia prever que um funcionário tomaria uma atitude, pondera Maurício. Mas poderia perceber que as menções da marca cresciam a cada hora e interpretar aquilo como um foco de incêndio. E poderia agir ante que o fogo se alastrasse.
A dinâmica da comunicação de hoje modifica um velho ditado: se não é possível prevenir, o melhor então é remediar rápido. Bem rápido.