As empresas ainda confundem um pouco o digital com o digitalizado. Não é uma questão de estar na versão online dos veículos impressos. É uma questão de realmente entrar no mundo digital, onde a comunicação é naturalmente de mão dupla.
Conversamos com Vinícius Cordoni, que teve em seu currículo passagens por empresas de vanguarda antes de abrir sua própria agência. A conversa está disponível na edição #152 do Podcast-se, disponível abaixo e também no Spotify. Você lê a seguir a transcrição do bate-papo.
Cassio Politi: Muitas empresas falam de transformação digital, o que até me deixa um pouco perplexo porque a internet comercial já tem mais de 20 anos de idade. Como você está vendo isso? É um desafio para muita gente de relações públicas?
Vinícius Cordoni: Fui head de RP de um grande banco digital e toda vez que a gente saía nos veículos offline, a visibilidade era boa. O retorno mexe muito com o ego das pessoas. Quem não gosta de emplacar aquela grande capa de revista ou aquela página inteira de um Valor, de um Estado, de uma Folha? Mas a gente precisa focar no principal objetivo disso tudo, que, no caso, era geração de lead. Então, em um banco digital, será que o nosso público estava mesmo no offline? Será que o nosso público estava lendo impresso? Ou será que nosso público estava com o celular na mão, lendo as notícias do dia, acompanhando newsletter, sendo pego de surpresa por notícias no Facebook, no Instagram, no LinkedIn? O que eu acho que ainda acontece hoje é que a gente primeiro olha pela centimetragem, pelo retorno de mídia, pelo glamour, pelo ego de emplacar uma grande pauta no impresso, que também tem o seu valor. Mas a gente tem de colocar o business do cliente em primeiro lugar. Há uma diferença entre o digital e o digitalizado. Quando a gente fala de online, dá a impressão de que a gente está falando só dos sites, das revistas. Mas hoje tem podcast, canais no YouTube. Na minha agência, temos cliente B2B, que tem muito mais benefício se for mencionado, por exemplo, por um influenciador de LinkedIn e virar notícia em uma comunidade nessa rede social.
Gostei da diferença do digital para o digitalizado. Você acha que isso tem a ver com uma cultura que vem lá do jornalismo, da comunicação de mão única, que agora mudou para a comunicação de mão dupla? Quando você fala do digitalizado, o que me vem à cabeça é você falar sozinho. Porque, no fundo, é isso que acontece quando você pega a Folha de São Paulo ou O Globo e coloca na internet. Você continua falando em mão única. Quando você vai para a newsletter do LinkedIn, e tem o Ricardo Amorim comentando junto com as pessoas, e a própria empresa podendo comentar também, aí você está falando do digital. Isso do “eu falo, você ouve” está enraizado na cultura que vem do jornalismo?
Está muito enraizado. A faculdade de Jornalismo não forma ninguém para ser Relações Públicas. Ela não forma na estratégia, para pensar fora da caixa. Ela forma o jornalismo-raiz, lá dos primórdios, do impresso, do texto, do que é notícia, o lead etc. Quando a gente traz um pouco para os dias de hoje, aí você fala no estar sozinho e no expandir. Outra estratégia que uso muito é a seguinte: no momento em que a gente divulga a matéria do cliente, onde quer que seja, a gente está falando com o público daquele jornal. No ambiente digital, nós mesmos somos a mensagem. Não adianta nada nosso cliente sair em Exame, Folha ou no Estado se ele mesmo não disseminar essa notícia. A gente acha que o público dele está lendo o que a gente está lendo, só que as pessoas têm hábitos de leitura diferentes. Não basta o trabalho de um relações públicas. O trabalho começa na hora em que a matéria é publicada.
A comunicação tradicional se estruturou com a detenção dos canais. Empresas de mídia, como Globo, Veja, IstoÉ e outras tiveram todo o poder nas mãos. Elas detinham os canais. Hoje, não mais. Os canais são completamente democratizados. Você é um canal a partir do momento em que abre uma conta no Twitter. Será que o profissional de comunicação não deveria parar de pensar: ‘eu tenho aqui uma revista, e essa revista eu ponho no site, do site eu ponho nas redes sociais’, e passar a pensar na comunicação como uma rede de distribuição desestruturada — de pessoas para pessoas. Ou seja, a mensagem está no centro da comunicação, e não os canais. Não sei se me fiz entender, mas será que não é uma questão de mudar a forma de enxergar essa distribuição?
Bela bola levantada para eu cortar na linha dos três metros. Eu penso exatamente da mesma forma. Você tem de criar o conteúdo pensando em qual é a sua estratégia, e qual a estratégia do cliente. Essa estratégia de você primeiro analisar a mídia para fazer um conteúdo para ela não é um começo, é um fim. O primeiro passo tem de ser o que eu quero comunicar. Dentro do que eu quero comunicar, qual é o objetivo que essa comunicação vai trazer? Tendo isso muito claro, qual o canal mais apropriado para isso? Tudo linkando, obviamente, com a credibilidade, com a reputação. Há um outro fenômeno muito bom hoje. A gente está vendo cada vez mais jornalistas construindo o seu nome em grandes veículos e trazendo o seu nome para criar novas mídias. Se você pegasse há 20 anos a quantidade de veículos que uma assessoria de imprensa tinha para trabalhar, era muito restrito. Hoje é muito extenso.
Tocamos em algum momento da conversa no assunto interação. Isso não assusta muito os gestores? Em muitas reuniões, quando você chega para um cliente e diz: “a gente vai colocar isso numa rede social e as pessoas vão comentar”. Muitos gestores se arrepiam porque já imaginam o bombardeio de mensagem que vai chegar ali — especialmente se a empresa é uma dessas grandes prestadoras de serviços, sujeitas a críticas, como banco, operadora de celular, companhia aérea. Esse medo não é o que muitas vezes trava este nosso discurso?
Sim, esse medo existe e trava. Mas eu trago um contraponto para essa balança. O gestor, é óbvio, tem de ser cauteloso. Mas a melhor forma de você prevenir uma crise é mapear os riscos. Se as empresas forem se preocupar com haters, não devem nem abrir o CNPJ. Porque é isso que mais acontece nas redes sociais. Mas o que eu sempre procuro falar para essas empresas, que é a premissa de uma crise, é que você deve responder para quem pergunta. Você não vai expandir isso para quem não está nem sabendo. Além disso, a gente precisa de transparência, precisa estabelecer um diálogo. Todas as empresas do Brasil, principalmente startup em fase beta, quando têm algum problema, vão lá e corrigem rápido. Quanto mais ela se comunica com o público, mais ela gera empatia. Se ela tiver medo de se comunicar por conta de um erro, aí qual é o sentido de ter uma área de comunicação, de contratar agência de relações públicas, de ter redes sociais? Você tem de estar preparado. Infelizmente, a partir do momento em que está exposto de alguma forma, você não fala só sobre o que você quer. Portanto, a melhor forma é a seguinte: faça algum tipo de comunicação. Deixe algumas respostas prontas para possíveis perguntas que possam vir.