O inbound marketing não deu certo para muitas empresas no Brasil porque elas enxergam a metodologia como fórmula e se esquecem da estratégia. A ideia de máquina de vendas é uma armadilha que merece cuidado.
Conversamos sobre isso com Eduardo Correia, head no Brasil da plataforma de automação de marketing americana SharpSpring, que fará de 16 a 20 de setembro de 2019 o SharpSpring Week, evento gratuito e online sobre marketing digital.
A mesma conversa transcrita abaixo, com olhar crítico de ambos os interlocutores, você ouve na edição #145 do Podcast-se, disponível também no Spotify.
Cassio Politi: Por que as empresas brasileiras enxergam o inbound marketing como fórmula e falam tão pouco em estratégia?
Eduardo Correia: Primeiro eu acho que o ponto é entendermos a metodologia do inbound em suas várias etapas. Não é seguir uma fórmula, que foi o que aconteceu no Brasil. Quem acompanha o dia a dia das empresas e agências no que diz a respeito a estratégia de marketing e vendas sabe que o inbound por si só não irá transformar sua empresa numa “máquina de vendas”, que é o jargão do mercado. Porque as empresas estão seguindo um playbook, uma fórmula. A realidade é muito mais complexa do que isso. Não se faz uma estratégia sem planejamento, pesquisa, criatividade. O brasileiro é bem mais imediatista do que o americano, e o inbound não é uma estratégia de curto prazo. O mercado precisa ser transparente com as empresas que querem investir em inbound. Porque ele, sozinho, não é a solução. Pode até haver casos isolados de sucesso, mas a grande maioria dos casos não é a realidade porque o Brasil está numa curva de aprendizagem. Nestes quatro anos em que estamos atuando aqui, no mercado brasileiro, tenho visto que as estratégias de inbound são mal elaboradas. Temos muitos profissionais que vão por um caminho raso. Muitas agências vendem mal o projeto também. O cliente não quer investir o quanto deveria. No final, sai um trabalho tosco, grosseiro. Muitas empresas colocam um profissional júnior onde deveria haver um sênior. Não investem em design nem em conteúdo de qualidade. Isso não irá funcionar especialmente nesta era do content shock, que é o excesso de conteúdo para pouca audiência. Neste cenário, quem vai se sobressair? Só aquele que faz inbound de qualidade, com planejamento. Como etapas do inbound, eu diria que inicialmente é preciso definir a persona. É o que o mercado orienta. Só que, se a gente pegar hoje playbooks e fórmulas, vão pedir que você pega uma ferramenta de criação de personas e faça isso de forma rasa. Criar buyer persona exige entrevista, pesquisa, dados. Mas quem no mercado tem capacidade de fazer isso? Poucas empresas, que já têm esse amadurecimento. Faltam pessoas com esse pensamento crítico, com esse poder de abstração das estratégias.
Quando o HubSpot inventou o inbound marketing, ele se baseou num princípio bastante simples e muito focado em vendas. O content marketing, por sua vez, é focado na satisfação das necessidades do público. Por isso, você deve usar os dois. A ideia é usar o conteúdo de qualidade para atrair as pessoas e se relacionar com elas, criando um vínculo, uma conexão. Em um determinado momento, elas estarão prontas para comprar, e quem faz essa qualificação é uma ferramenta como SharpSpring, HubSpot, Marketo ou outra do mesmo tipo. O pequeno e terrível segredo é que tudo isso leva tempo. Entre o cara chegar do Google na sua base e estar pronto para comprar, pode levar meses. E não é isso que as empresas querem ouvir. Acontece que, quando as ferramentas de automação trouxeram o conceito de inbound ao Brasil, elas estimularam o mercado a acelerar demais esse processo. E aí o que aconteceu? Virou SPAM. Hoje, muitas empresas saem dizendo que inbound não funciona. É óbvio que não funciona! Então será que o crime, para quem vai fazer isso, não é a pressa? Será que a pressa não é inimiga da conversão?
Sim, eu concordo. Falta um pouco de transparência em relação aos players e às agências quando vão sugerir uma estratégia de inbound para o cliente. Tem de haver a clareza de que é uma estratégia de médio a longo prazo. Sabemos que o empresário brasileiro é imediatista. Mas ele tem de ter essa consciência porque, se a gente for fazer essa estratégia a curto prazo de inbound, não vai funcionar e vai frustrar ambos os lados. O que é importante entender é a estratégia no todo. Tem de haver um alinhamento entre todas as áreas. Quando cria uma estratégia de fundo de funil, você precisa conversar com a equipe comercial e entender as objeções que os vendedores enfrentam lá na ponta. Precisa conhecer quais argumentos eles têm para reverter objeções. É necessário entender a realidade e tentar sair do superficial. Quando se fala do topo de funil, é preciso levantar as palavras-chave que se quer ranquear, mas em muitos mercados, onde a concorrência já é muito alta, talvez seja preciso iniciar uma estratégia focando em palavras-chave de cauda longa. Vejo que poucas empresas têm esses tipos de conhecimento e a maioria acaba indo por um caminho mais fácil, que é o caminho do playbook. Elas não vão ter resultado. Executar o inbound é um problema também porque as empresas querem economizar em design e em conteúdo. Hoje não há espaço para conteúdo raso, como você bem sabe. É preciso investir em profissionais para que eles tenham um pensamento crítico e possam criar estratégias mais elaboradas. Tem de parar de pensar que o inbound vai ser o grande salvador da sua estratégia para gerar mais leads qualificados e mais vendas.
Você falou bastante de estratégia — ou da falta dela. Será que não vamos chegar a um ponto aqui, no Brasil, em que as empresas primeiro precisarão de um estrategista se quiserem fazer o inbound dar certo? Ou seja, será que elas não precisam primeiro de um cara sênior para traçar a estratégia sob risco de desistir do inbound?
Eu acho que a gente pode dialogar sobre isso no seguinte ponto de vista: se a gente começar a falar sobre funil, conversão e esses hacks que existem no mercado, eles vão ser importantes quando você precisar aprimorar sua estratégia. Mas a grande base de tudo isso é a abstração. Ou seja, é ter um olhar macro para entender a estratégia mais a fundo. É o que vai dar qualidade em todo o planejamento e todo o conteúdo. O que se vê no mercado hoje é que o profissional sênior não é sênior só pelo tempo que ele tem de experiência, mas pelo grau de maturidade que ele adquiriu. Há muitas pessoas novas que têm esse comprometimento e esse entendimento mais amplo das estratégias. Para atividades específicas, como inbound, performance ou mídia paga, é preciso ter o especialista. Ele vai ficar de olho nos indicadores específicos. Mas precisa haver um grande generalista, que entende de todo o escopo do projeto e tem um olhar crítico para dar qualidade ao conteúdo, inclusive. Hoje há uma explosão. O inbound surfou a onda do marketing nos últimos três ou quatro anos — e todo o mundo começou a fazer, mas todo o mundo andou fazendo da mesma forma. Hoje, se você receber um ebook sem capricho, sem um bom design, sem um bom conteúdo, não vai funcionar. A sua empresa é como se fosse uma empresa de mídia. Quando chega esse ebook, você não vai ter credibilidade. Eu já tenho essa experiência, mas subconscientemente é fácil bater o olho num material e saber se aquilo teve um capricho ou não.
A gente de longe já sente o cheiro da picaretagem, do caça-cadastro, não é?
Sim. Acho que, para fugir disso, precisa ter responsabilidade, o que exige planejamento. Antes de montar o material, gosto de sentar com a equipe, pensar na linha editorial e na criatividade. É isso que vai fazer a diferença. A gente vive numa era de busca da tensão. Você só vai se destacar se tiver um conteúdo de qualidade. E esse conteúdo vai ser a primeira etapa de aproximação da sua empresa com a sua audiência. Depois disso, tem de mapear a jornada para saber quais são os conteúdos pontuais que precisa entregar para gerar valor para a audiência e para a empresa — e para alcançar os objetivos e os indicadores. Isso só vai ser possível se você já tiver desenhado um framework com etapas e jornadas. Isso só é possível com um profissional que tenha bagagem e que entenda muito bem do negócio para criar uma estratégia de inbound.