Revistas e jornais impressos voltados para o público interno podem parecer retrógrados. Afinal, até mesmo a primeira publicação interna do Brasil, criada pela General Motors, em 1926, hoje só existe na versão digital.
A revista General Motors nasceu nos galpões da empresa no bairro do Ipiranga, em São Paulo e era distribuída mensalmente aos funcionários. Tinha, segundo o livro Jornalismo Empresarial, de Gaudencio Torquato, 12 páginas impressas em duas cores, em formato de 16 por 23 centímetros. Seu primeiro diretor se chamava J. V. Campos.
Na história da GM, contada por ela própria, a revista merece uma menção de destaque. Foi lançada apenas um ano depois de a fábrica se instalar na capital paulista. E era entregue também aos 150 agentes encarregados de vender os 40 carros produzidos todos os dias.
Se a versão física da revista General Motors, um marco para a comunicação interna brasileira, deixou de existir, quem ousaria defender o impresso?
Bem, há pelo menos uma pessoa que o defenda. É o Fernando Pereira, que acumula vasto conhecimento de causa porque prestou serviço de comunicação interna por 27 anos para a própria GM. Hoje ele se dedica exclusivamente à docência. É professor universitário do Mackenzie, em São Paulo. E foi nosso convidado na edição #78 do Podcast-se, que você ouve abaixo.
Para Fernando, o impresso não morreu, mas está na extrema unção.
“Manusear o papel ainda é um hábito para algumas pessoas. As gerações novas não vão sentir saudade, é verdade. Mas quem tem mais de 30 anos ainda gosta. De qualquer maneira, sou um defensor ferrenho do impresso. No caso de empresa, esse formato tem um benefício adicional. O colaborador leva o jornal ou revista da empresa para casa e compartilha com a família. Algo que não acontece com uma publicação digital.”
A opinião é ponderada, mas firme. Fernando defende o impresso e não está sozinho nessa posição.
Em content marketing, área diferente da comunicação interna, mas com lógica muito similar, o impresso anda forte. No Brasil, as revistas de bordo são uma prova disso. A Vamos Latam reforça a comunicação da companhia aérea com os passageiros, mas não para por aí. A publicação não apenas se paga como ainda gera lucro, compartilhado entre a Latam e a agência que cuida da produção e comercialização de espaços publicitários, a New Content.
Nos Estados Unidos, a Uber lançou em julho de 2018 a Vechicle (foto abaixo), inicialmente circulando em Washington e Seattle, voltada para motoristas e passageiros. Segundo a Geek Wire, já é a segunda iniciativa da empresa. Em 2015, uma tentativa similar havia sido feita em Nova York com o lançamento da Arriving Now.
O próprio Content Marketing Institute, maior autoridade do mundo no tema, também tem a sua revista impressa, a CCO. Por quê? Porque o correio continua entregando correspondência. É um canal livre.
Numa análise objetiva, as revistas impressas deixaram de ser populares para fins de comunicação interna porque a internet oferece alternativas muito mais baratas. Acontece que, em muitos casos, a discussão sobre usar o impresso ou não passa ao largo dos aspectos financeiros e acaba virando um debate com um quê de Fla-Flu.
“A discussão muitas vezes é se as pessoas têm paciência para ler. É um debate parecido com aquele sobre publicar ou não textos grandes em sites. Muita gente cita o Buzzfeed como um exemplo de que posts curtos funcionam melhor.”
Por que Fernando cita o Buzzfeed? Porque o próprio site próprio acabou virando o anti-exemplo para quem defende posts telegráficos. Em 2017, o Buzzfeed publicou uma matéria enorme sobre o Fofão da Rua Augusta, com mais de 11 mil palavras. E teve milhões de visualizações. Para se ter uma ideia, um blog post grande tem 2 mil e um gigantesco, 5 mil palavras.
De forma similar, afirmar que todas as empresas devem usar veículos impressos é uma afirmação tão radical e errônea quanto dizer que eles não servem para nenhuma. “É uma questão de analisar o comportamento do público”, recomenda Fernando.
Quando assessorou a Fibria, gigante da produção de celulose, Fernando observou que o público interno, espalhado por unidades remotas, longe das conexões 4G ou wi-fi, consumiam com apetite o conteúdo do jornal interno. Uma prova de quem melhor define o canal é o comportamento do público, e não as crenças e preferências do time de comunicação interna ou RH.
Em uma de suas frases célebres, Peter Drucker dizia que “o que todo o mundo sabe geralmente está errado”. O que nos faz concluir que a certeza de que os veículos impressos não têm mais vez talvez mereça uma reanálise.
Takeaway
Há quem tenha condenado à morte os jornais e revistas impressos para comunicação interna. Mas o radicalismo precisa ser revisto. Um pouco de lógica e exemplos de mercado sugerem uma análise mais embasada antes da tomada de decisão.